segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Questão:

Disserte, a partir do conteúdo apresentado nas postagens anteriores, a respeito da participação dos Kaiabi no processo histórico de interiorização do Brasil. Cite os fatores em que os Kaiabi auxiliaram nesse processo e diga se o mesmo seria possível sem o auxílio deles.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Kaiabi: Participação processo histórico de "interiorização" do Brasil

Os Kaiabi, em sua maioria, habitam atualmente a área do Parque Indígena do Xingu (PIX), Mato Grosso. Esta, porém, não é sua terra tradicional. Até aproximadamente a década de 1940 ocupavam uma extensa faixa entre os rios Arinos, Tatuy (denominação Kaiabi para o Rio dos Peixes) e médio Teles Pires ou São Manuel, localizada a oeste do Rio Xingu.
Para se falar sobre a localização atual dos Kaiabi é preciso antes comentar um pouco sobre sua história recente. Considerados até as primeiras décadas do século XX como "bravios e indômitos", os Kaiabi resistiram com vigor à ocupação de suas terras pelas empresas seringalistas que avançavam pelos rios Arinos, Paranatinga (Alto Teles Pires) e Verde, na última década do século XIX. Muitos conflitos ocorreram com seringueiros, viajantes e funcionários do Serviço de Proteção aos Índios ao longo da primeira metade do século XX. Contudo, aos poucos a área Kaiabi foi sendo ocupada e os índios induzidos para o trabalho nos seringais.


Depois da extração do látex viriam a retirada de madeira e a implantação de fazendas. A partir da década de 1950, grande parte da região seria retalhada em glebas e alienada pelo governo de Mato Grosso para fins de colonização. Nesta época (1949) chega à região do Teles Pires a Expedição Roncador-Xingu comandada pelos irmãos Villas-Bôas. A Expedição era o braço da Fundação Brasil Central encarregado de desbravar e preparar a colonização dos sertões dos rios Araguaia, Xingu e Tapajós, dentro da política de interiorização preconizada pelo governo Vargas.


A Expedição encontrou os Kaiabi em uma situação conflituosa e sem aparentes perspectivas de melhora. Os deslocamentos para outras áreas dentro do território e a resistência bélica aos invasores não eram mais possíveis. Com exceção do missionário católico João Dornstauder, cujas ações eram mais concentradas no rio Tatuy, nenhuma organização apoiava os índios na luta pelas terras. A atuação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) na área era incapaz de assegurar a sobrevivência cultural do grupo, atuando muitas vezes conjuntamente com as empresas seringalistas no recrutamento dos índios para trabalhar na extração de látex. Restava a integração passiva nos seringais e a proposta apresentada pelos Villas-Bôas: mudar para o Parque Indígena do Xingu. A alternativa da mudança prevaleceu e tomou corpo em parte devido à atuação de Prepori, um dos principais líderes do grupo na época.


Os Kaiabi, já mais acostumados no trato com os brancos e encontrando, uma compreensão inesperada para sua situação opressiva por parte dos Villas-Bôas, se integraram à expedição e passaram a colaborar na pacificação de outros grupos e no desbravamento da região. O processo de migração para o Parque Indígena do Xingu teve início a partir desse envolvimento nos trabalhos da Expedição Roncador-Xingu. Tendo em vista a situação de conflito e espoliação em sua área tradicional, e incentivados pelos Villas-Bôas, os Kaiabi foram aos poucos se dirigindo para lá, até que em 1966 foi transferida por avião, naquela que ficou conhecida como "Operação Kayabi", uma parte dos índios que ainda moravam na região do Tatuy.


Os Villas-Bôas justificaram a necessidade da transferência como única alternativa ao processo de destribalização e marginalização vivido pelos Kaiabi. Grünberg assinala, contudo, que essa última transferência foi realizada sem entendimentos prévios e contra a vontade da Missão Anchieta, que, ao que parece, opunha-se a ela por considerar possível a luta pela terra Kaiabi, pelo menos na região do Tatuy.

O processo deixou marcas profundas e dividiu os Kaiabi, que até hoje lamentam ter abandonado suas terras imemoriais. A pequena parcela da população que se recusou a ir para o Parque Indígena do Xingu permanece até hoje em uma pequena área que divide com alguns remanescentes Apiaká, localizada no Tatuy (TI Apiaká-Kayabi). Outra pequena parcela dos Kaiabi vive atualmente no Baixo Teles Pires, em uma Terra Iindígena localizada já no estado do Pará, para onde foram sendo empurrados pela ocupação de sua terras (TI Cayabi e TI Cayabi Gleba Sul). No Parque Indígena do Xingu, os Kaiabi estão espalhados por diversas aldeias localizadas na região do Posto Indígena Diauarum, porção norte do Parque e território habitado anteriormente pelos Yudja (auto-denominação dos Juruna), Suyá e Trumai.


homologada, 1991, e registrada


As três regiões habitadas atualmente pelos Kaiabi não são homogêneas do ponto de vista ambiental, histórico ou sociocultural. A região do Parque do Xingu tem um relevo plano recoberto por uma vegetação de transição entre a floresta tropical úmida, que se adensa ao norte, e o cerrado que predomina ao sul. Matas ciliares acompanham os inúmeros cursos d'água e lagoas, e em alguns pontos observa-se a ocorrência de descampados naturais. O clima é caracterizado pela alternância de uma estação chuvosa, de novembro a abril, e um período seco nos meses restantes. Nas outras áreas habitadas pelo grupo observa-se uma maior predominância de florestas. Como os ecossistemas são relativamente diferentes, muitas espécies vegetais (além de tipos de solo, de barro para cerâmica, material lítico, conchas, animais etc.) conhecidas e utilizadas pelos Kaiabi na área tradicional não são encontradas no Parque do Xingu.
Do ponto de vista histórico e sociocultural as diferenças também são marcantes, tanto no período pré-contato quanto na fase posterior à entrada dos brancos no continente.

A região dos rios Teles Pires, Arinos, Rio dos Peixes, Juruena e Tapajós é predominantemente ocupada por grupos Tupi desde um longínquo passado. No Alto Rio Xingu os grupos indígenas viviam, e ainda vivem, em um rico complexo cultural multiétnico e multilingüístico e com eles convivem hoje os Kaiabi do Parque.


Para um período mais recente, as grandes diferenças se deram em função do avanço das frentes de colonização. A região do Alto Xingu, por razões geográficas, ambientais e históricas, permaneceu, se comparada a outras áreas, relativamente fora do alcance direto das frentes de expansão até fins da década de 1940. A partir desta época iniciaram-se os debates para a criação da primeira grande área indígena brasileira, que viria a ser o Parque Indígena do Xingu. O Parque foi desde o início pensado como um paraíso ecológico e cultural que deveria ser preservado do alcance dos brancos. Esta ética preservacionista tem até hoje um grande impacto no ideário político das lideranças indígenas da região. Já a área Arinos-Teles Pires-Tapajós foi alvo da exploração de látex desde o século passado e, mais recentemente, da retirada de madeira e implantação de fazendas de gado. Essa frente de ocupação provocou a extinção de muitos grupos indígenas, além de grandes alterações ecológicas e culturais, ao promover uma integração muitas vezes forçada dos índios remanescentes.

domingo, 19 de outubro de 2008

Vídeo


Vídeo mostrando uma das tribos dos Kaiabi

Kaiabi: sua fé e suas crenças

A primeira menção direta aos Kaiabi em um documento escrito apareceu em 1850, com a publicação dos relatos do viajante francês Francis de Castelnau. Em 1844 Castelnau esteve em Diamantino, MT, onde entrevistou índios Apiaká e aventureiros que percorreram a região dos rios Arinos e Teles Pires dando notícias de uma "tribo hostil", denominada em seu texto como Cajahis. A partir dessa data, vários outros documentos fazem referência aos Kaiabi, utilizando diferentes grafias para o nome: Cajahis, Cajabis, Kajabi, Caiabis, Cayabi, Kayabi etc. Atualmente os professores indígenas do grupo decidiram optar pela grafia Kaiabi e por esse motivo a empregamos neste texto.

A origem do nome Kaiabi perde-se no tempo e hoje os próprios índios não sabem dizer de onde surgiu e qual seu significado. É provável que seja a forma pela qual os Apiaká ou os Bakairi, que representam as primeiras fontes de informação sobre os Kaiabi no século XIX, a eles se referiam. Certamente não se trata de auto-denominação do grupo.

A língua dos Kaiabi é da família tupi-guarani. Desde os primeiros contatos observou-se que os Kaiabi falavam uma língua aparentada à de outros povos conhecidos genericamente como Tupi. As línguas mais semelhantes ao Kaiabi são o Kamayurá, o Asurini do Xingu e o Apiaká, variando a maneira de aferir a sua proximidade. A quase totalidade dos Kaiabi que habitam atualmente o Parque do Xingu são bilingües plenos, dominando, além de sua própria língua, também o português. Alguns indivíduos residentes em aldeias de outros grupos, ou casados com indivíduos de outra etnia, falam também uma terceira língua. Segundo informações dos próprios índios, muitos Kaiabi que moram em outras áreas fora do Parque do Xingu não falam mais a língua nativa.

Os Kaiabi concebem o cosmos como dividido em várias camadas superpostas, habitadas por uma infinidade de seres que convencionamos chamar de sobrenaturais. Há muitos tipos diferentes destes seres. Há os diversos "chefes de animais", os perigosos anyang e mama'é que roubam as almas dos homens, os heróis culturais (demiurgos) que ensinaram aos Kaiabi tudo que sabem hoje em dia, e os deuses Ma'it, os grandes pajés do céu. Todos esses seres povoam os mitos e narrativas através dos quais os Kaiabi compreendem e atuam no universo em que vivem.

Todo humano, assim como muitos animais, possui uma ai'an, conceito que podemos traduzir aproximadamente por "alma". Os homens não são dotados automaticamente de uma ai'an ao nascerem. Eles a recebem junto com o nome, o que os incorpora de fato à sociedade em que vivem. Os que não recebem esta alma não se tornam humanos, são apenas seres empalhados, um invólucro sem vida.

Os Kaiabi sempre tiveram muitos xamãs. O xamanismo desempenha um papel fundamental no modelo de sociedade ideal concebido por eles. Idealmente, esta sociedade deveria ser dirigida por um chefe velho e aguerrido, cuja ação seria complementada pela atuação de muitos xamãs. Os xamãs são os intermediários entre o mundo natural e sobrenatural. De uma maneira geral, podem ser vistos como restauradores de situações sociais tomadas como desajustamentos no curso normal da existência . A iniciação xamânica é tida como uma viagem empreendida por ocasião de uma doença grave ou acidente, um momento liminar entre o plano da realidade cotidiana e o da realidade sobrenatural.

Os Kaiabi são um povo tradicionalmente guerreiro, como se depreende de suas narrativas míticas, de suas histórias de guerras passadas, de sua vida ritual e dos depoimentos de brancos que com eles tiveram contato. O mais importante momento de sua vida ritual era a celebração do Yawaci, época em que várias aldeias se reúniam para ouvir os cantos dos guerreiros. Este ritual estava associado à morte de um inimigo e posterior quebra dos ossos de seu crânio, sendo condição de iniciação dos jovens guerreiros. Embora atualmente não haja mais guerras, nem cabeças de inimigos, os Kaiabi têm voltado a realizar o Yawaci. Como observou Elisabeth Travassos, em um contexto de recuperação étnica, eles teriam escolhido este ritual como o mais apropriado para representar a imagem que mais prezam de si mesmos e com a qual mais se identificam, a de guerreiros.