A primeira menção direta aos Kaiabi em um documento escrito apareceu em 1850, com a publicação dos relatos do viajante francês Francis de Castelnau. Em 1844 Castelnau esteve em Diamantino, MT, onde entrevistou índios Apiaká e aventureiros que percorreram a região dos rios Arinos e Teles Pires dando notícias de uma "tribo hostil", denominada em seu texto como Cajahis. A partir dessa data, vários outros documentos fazem referência aos Kaiabi, utilizando diferentes grafias para o nome: Cajahis, Cajabis, Kajabi, Caiabis, Cayabi, Kayabi etc. Atualmente os professores indígenas do grupo decidiram optar pela grafia Kaiabi e por esse motivo a empregamos neste texto.
A origem do nome Kaiabi perde-se no tempo e hoje os próprios índios não sabem dizer de onde surgiu e qual seu significado. É provável que seja a forma pela qual os Apiaká ou os Bakairi, que representam as primeiras fontes de informação sobre os Kaiabi no século XIX, a eles se referiam. Certamente não se trata de auto-denominação do grupo.
A língua dos Kaiabi é da família tupi-guarani. Desde os primeiros contatos observou-se que os Kaiabi falavam uma língua aparentada à de outros povos conhecidos genericamente como Tupi. As línguas mais semelhantes ao Kaiabi são o Kamayurá, o Asurini do Xingu e o Apiaká, variando a maneira de aferir a sua proximidade. A quase totalidade dos Kaiabi que habitam atualmente o Parque do Xingu são bilingües plenos, dominando, além de sua própria língua, também o português. Alguns indivíduos residentes em aldeias de outros grupos, ou casados com indivíduos de outra etnia, falam também uma terceira língua. Segundo informações dos próprios índios, muitos Kaiabi que moram em outras áreas fora do Parque do Xingu não falam mais a língua nativa.
Os Kaiabi concebem o cosmos como dividido em várias camadas superpostas, habitadas por uma infinidade de seres que convencionamos chamar de sobrenaturais. Há muitos tipos diferentes destes seres. Há os diversos "chefes de animais", os perigosos anyang e mama'é que roubam as almas dos homens, os heróis culturais (demiurgos) que ensinaram aos Kaiabi tudo que sabem hoje em dia, e os deuses Ma'it, os grandes pajés do céu. Todos esses seres povoam os mitos e narrativas através dos quais os Kaiabi compreendem e atuam no universo em que vivem.
Todo humano, assim como muitos animais, possui uma ai'an, conceito que podemos traduzir aproximadamente por "alma". Os homens não são dotados automaticamente de uma ai'an ao nascerem. Eles a recebem junto com o nome, o que os incorpora de fato à sociedade em que vivem. Os que não recebem esta alma não se tornam humanos, são apenas seres empalhados, um invólucro sem vida.
Os Kaiabi sempre tiveram muitos xamãs. O xamanismo desempenha um papel fundamental no modelo de sociedade ideal concebido por eles. Idealmente, esta sociedade deveria ser dirigida por um chefe velho e aguerrido, cuja ação seria complementada pela atuação de muitos xamãs. Os xamãs são os intermediários entre o mundo natural e sobrenatural. De uma maneira geral, podem ser vistos como restauradores de situações sociais tomadas como desajustamentos no curso normal da existência . A iniciação xamânica é tida como uma viagem empreendida por ocasião de uma doença grave ou acidente, um momento liminar entre o plano da realidade cotidiana e o da realidade sobrenatural.
Os Kaiabi são um povo tradicionalmente guerreiro, como se depreende de suas narrativas míticas, de suas histórias de guerras passadas, de sua vida ritual e dos depoimentos de brancos que com eles tiveram contato. O mais importante momento de sua vida ritual era a celebração do Yawaci, época em que várias aldeias se reúniam para ouvir os cantos dos guerreiros. Este ritual estava associado à morte de um inimigo e posterior quebra dos ossos de seu crânio, sendo condição de iniciação dos jovens guerreiros. Embora atualmente não haja mais guerras, nem cabeças de inimigos, os Kaiabi têm voltado a realizar o Yawaci. Como observou Elisabeth Travassos, em um contexto de recuperação étnica, eles teriam escolhido este ritual como o mais apropriado para representar a imagem que mais prezam de si mesmos e com a qual mais se identificam, a de guerreiros.
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